terça-feira, 25 de julho de 2006

O Velho

Esses dias eu vi o pedaço de algo que já nasceu,
brincou
e que já teve esperanças e sonhos:
Um velho.

Já o haviam tido por gente nalgum ontem desses,
quando ainda corria o risco de ganhar algum dinheiro.
Hoje ninguém perde tempo com ele.
Caminhava apoiando-se nas paredes,
firmando no chão somente o pé que ainda tinha bom,
pois o outro se desmanchava.
Não tinha uma muleta.

Andava tão devagar que parecia que sempre admirava algo.
Mas apenas andava.

Quando chegou perto de onde eu estava, sentou-se.
Perguntei o que tinha no pé e ele mostrou.
Disse que o havia quebrado faziam doze anos e nunca mais havia sarado.
Aquilo era um inchaço preto,
um pedaço podre grudado num corpo que se dissolvia.

As palmas das mãos trêmulas do velho eram pretas também,
como se tivessem fungos.

Ele disse que tinha raiva quando o cigarro acabava de noite
e não tinha dinheiro pra comprar mais.
O som de sua voz me impressionou tanto quanto saber que ainda tinha raiva de algo
(não parecia mais haver sentimento algum dentro daqueles olhos).

Era um som de treva e sono,
um lamento, um protesto,
um gemido.
Um canto santo de sino enferrujado,
um silêncio.
Acontecia torto, áspero, seco, pálido!
como algo que já se foi
e que se foi doente.

Aquele som talvez refletisse a maneira como o velho havia sido tratado
quando ainda tinha sonhos.
Fiquei com vergonha de pensar que ainda sonhava.
O velho percebeu isto.

Ele disse que fazia frio.

Eu não tinha, ali, nada que oferecer para aquecê-lo,
nem um sorriso.
E me calei.

Ele então foi embora,
arrastando-se consigo
como uma cruz,
caminhando sem o pé
que ainda estava ali
pra doer.
Como sua vida
que também doía
sem estar ali.

Um comentário:

Patricia Pirota disse...

Puta q pariu...Como vc escreve bem...
Ueba!Mais uma página descente pra eu poder olhar na net...=]
Juro q passarei sempre aqui....Até pq,isso é bom pra minha cacholinha né...=]
=***