quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Vida

A vida tem uma série de momentos bons e alegres.
Mas tem também
Me matado demais ultimamente.

Talvez eu tenha me suicidado demais,
Visto e ouvido demais,
Demais trincado entre dentes esses dias desiguais.

Mas enquanto o desespero não parar de me resistir,
Vou caindo
E levantando e seguindo...

Vida
Que passa por mim como um sopro,
Passa por mim como uma noite,
Como um rio,
Um amontoado de perdas
- Insubstituíveis e inseparáveis perdas.
Que passa deixando seqüelas eternas.

Vou procurar extrair um fim
Que justifique as intermináveis procuras que faço.

E enquanto o tempo embalar seu pêndulo
E o frio embaçar o vidro da janela
E o lobo uivar pra lua cheia e as plantas esticarem as mãos para o sol
E minha garganta embaraçar palavras reprimidas,
Vou chovendo, cantando, anoitecendo,
Aplaudindo poemas,
Chutando baldes e latas e paus de barracas.
Colhendo matérias para serem recicladas
Nalgum tormento ou nalgum hino.
E sonhando
- Porque a vida precisa de sonhos para nos suportar.
Indo de samba, de trem, de vinho
Para estações resplandecentes.
Pras oficinas do diabo...

Vida,
Eu a canto aos outros
Para reinventá-la menos amarga
Que eu,
Que às vezes penso
Que melhor seria ter nascido
Ontens muito antes
Do que o que nasci.
Ter vivido
E já ter ardido todas as dores que ainda vou sentir,
Sorrido tudo o que tenho pra sorrir,
Amado tudo o que amo e virei a amar,
Incendiado tudo o que tenho de odiar,
E que já tivesse inventado todas estas ilusões
Que sei que não vou usar.
E que já tivesse escrito,
Ou desistido de escrever
Todos estes poemas despropositados.

Melhor seria que eu já tivesse exercido
Meu direito de vir e de ir
Em guerra e em paz
E que já estivesse em corrosão,
Esquecido de todos os que tanto me chatearam
Com suas existências urgentes e fascinantes,
Que minha impaciência não conseguira afugentar.

Melhor seria já estar fora dessa máscara,
E já ter
Fugido
Desses aluguéis
Desses empregos desses desempregos
Desses salários
Desses impostos
Desse direito de permanecer calado
Desses SPC´s e Serasas
Desses 11s de setembro
- Pessoais e intransferíveis
Desse teatro dessa Palestina.

Melhor seria que eu já tivesse
Gasto essa carne combalida pelo pavor,
E que já tivesse cansado
De me postar diante dessas portas fechadas
De barba feita, bem penteado,
Estômago vazio.
Em busca de uma forca.
Acotovelado, espremido, jogado.

Melhor seria que eu já tivesse obedecido a todas essas regras estúpidas
E me curvado a uma dessas igrejas promiscuas
E aceitado a glória tola dos felizes.
Melhor seria que eu já tivesse praticado todos os meus remorsos
E que com eles já estivesse sepultado
Longe da doença de ser uma criatura perdida
Longe da bondade barata
Longe do agudo acorde dessa dor ensurdecedora
Que derrete o sorriso de qualquer bronze.

Melhor seria que eu já tivesse desistido.

Nenhum comentário: