quarta-feira, 30 de agosto de 2006

No desleixo da Mesa

No desleixo da mesa tem rascunho de poesia,
tem esperança amassada,
cicatriz de alma fraturada,
um pedaço de bom-bril.

Tem batucada de samba.
Saudade, muita saudade.
Tem alguém que foi embora,
tem hora jogada fora,
copo de vinho vazio.

Calculadora,
um relógio que não pulsa mais,
os ratos do Dyonélio...

Quanta bagunça.
Nem vejo mais uma mesa.

Vejo silêncio e tristeza
esmagando um coração.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Chagall



A pintura de Chagall é interessante porque é irresponsável. A consciência que o autor tinha de seus domínios artísticos era tamanha que não se importou em agradar a estética com traços bem definidos, toques precisos e, mesmo, belos desenhos.
Pintou algumas badernas, alguns tumultos e colocou uma atmosfera de sonho em torno de tudo que se tornou sua marca. Os volumes, as desproporções, os absurdos fazem parte do universo de seus desenhos e se tornam belos e mais belos a medida em que os olhamos. Existem artistas que se esforçam por ser diferentes e outros que encontram formas de expressão avessas as até então conhecidas. Avessas a ponto de serem contrárias a tudo. Chagall é um desses tais cuja visão se deformou por si mesma. Parece que seu estilo não é produto de buscas como a maioria dos artistas e sim de desencontros. Como se ele apenas passasse pela arte caminhando e nela tropeçasse, num momento em que a mesma estivesse desprevenida.
Então a pintava.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Terminal

No terminal as pessoas se confundem.
Não existem,
ou não lembram-se
terminais.
Homens e mulheres esperam o ônibus, crianças.
Como se o terminal se suspendesse em um cotidiano paralelo,
entre o ônibus em que se vem
e o em que se vai,
e servisse apenas para intermediar de nossos malabarismos,
nossos bares;
de nossas pressas,
as preces.

Os olhares debatem-se no terminal.
Alguns tremulam como o crepúsculo e caem como a noite
e quebram como as estrelas. Estalam!
Outros brilham como um sol branco
ou uma lua desesperada.
Outros ardem e umedecem.
Outros, ainda,
arranham as paredes na poeira da retina.

E as pessoas sequer vagam, sequer doem...

Algumas, apenas,
arbustam-se em pensamentos rotos:
certezas impossíveis,
lógicas improváveis,
eternidades provisórias.

Arrastam-se pelas ruínas de mais uma última esperança, que perseguem.
Atacam os próprios temores,
estimulam-se,
provocam-se
- se distraem.

Mas quando chega o ônibus o que sobe é apenas a pessoa
e tudo o que funcionou nos sonhos fica no terminal
para que outros, se assim o desejarem,
também possam se servir.

Pessoa é criatura que tem peso e tamanho exatos
- que não se insuporta.

Muitas pessoas conversam nos terminais.
Sobre aquele dia, sobre hoje,
sobre tudo
- sobretudo, amanhã.

Penduradas no cérebro,
balançam-se como pêndulos
embaladas por idéias de ninar.

... os ônibus vêm,
descarregando e carregando sua mercadoria,
até que quase só carregam
e o terminal fica deserto.

O terminal deserto me vasta!

Muda-se pra uma cidade antiga
num agora longe.

Despertando saudade de coisas as quais jamais esquecerei.
Ou vi.

Joan Miró



Noite

A surrealidade do Miró é a única que é só dele e que todos ficam com inveja de não ter uma igual.
Outras surrealidades são comuns nos delírios gerais. Inda que não as passemos à tela.
Miró produziu uma surrealidade elaborada nas impressões que teve na infância, com a diferrença que as imagens foram preservadas no seu estado de inocência. E ele arquivou aquela desordem num arquivo do cérebro pra depois pegar de volta quando a pudesse traduzir e despejar na tela em forma de loucura.

domingo, 6 de agosto de 2006

Florboletas

Borboletas são flores que voam.
Entre flores.

Flores sendo,
como se fossem as borboletas
que são.

Flores
são borboletas que descansam.
Entre borboletas.

Flores que são,
como se borboletas as fossem.

sábado, 5 de agosto de 2006

Corrupção

Não combino com refinamentos, delicadezas
Sofisticações ou elegâncias.

As formas cruas
Os modos grosseiros me sustentam.

Alimento-me de preguiças, despedaços, impurezas,
Pecados, venenos,
Fomes.

As corrosões e suas inconseqüentes ruínas
Forjam-me ainda mais inacabado do que sou.

E quero viver o mais inacabado possível,
Pra morrer mais inacabado ainda
E me dispersar pelas minhas incompreensões.

No inacabar abro as possibilidades de devastação
Que procuro na alma e na palavra.

Quero incapacitar meu cérebro para quaisquer talentos
E aprimorá-lo nos defeitos.
Quero explorá-lo,
Perder-me nos seus corredores,
Percorrer suas asperezas
Suas estreitezas, seus acidentes, seus porões,
E navegar em suas ilimitações.

Em meio às mais densas neblinas
E aos mais turbulentos vendavais
Vou acordar sintomas desconexos:
Sustos fuliginosos, deslumbramentos úmidos, flores vagas
Delírios mancos, pássaros entristecidos, síndromes anêmicas,
Incandescências vacilantes, lágrimas opacas, traumas trêmulos, vôos pardos

...

Nos labirintos de meu cérebro
Quero assistir os conflitos deflagrarem-se,
Colidirem-se
E entrarem em curto
Para fundição de novas eternidades.

Das matérias mais turvas
Extrairei ácidos escaldantes,
Dos quais aproveitarei apenas a insensatez,
Para usar na conjugação de novos evangelhos.

- Porque o homem só exerce sua condição racional
Se se tornar uma toupeira de seu cérebro
E escavar as próprias idéias com voracidade.

- Porque o homem é seu único Deus
E sua cabeça é o grande mar
Onde promover gigantescas ondas
E grandes rebentações.

Porque Deus não existe
E é preciso corporificar o amor!

Precisamos sacudir nossas sombras a todo momento;
Atormentar nossas vistas;
Imaginar o que as novas descobertas devastam na gente;
E inventarmos sóis que ilustrem nossos novos escombros.

Precisamos continuamente despir a decência
- Depravá-la,

Para que possamos valer a pena.

Hoje consigo pensar que vale a pena ser
Eu
- Que começo a valer a pena.

Depois de todas as primaveras
Terem escapado pelos vãos dos dentes.

Começam a me atrair as fachadas,
As intoxicações, os amontoamentos, as ferragens, as ferrugens.
Os abandonos.

Começam a me distrair as interferências
Decorrentes da banalidade e do cotidiano.

Abrigo no pensamento corpos que não me pertencem
E procuro interpretar seus absurdos.
Depois de ouvir os aplausos frenéticos da platéia
Bêbada
Liberto-as aos próprios uivos.
Mas elas me perseguem. Arrastando-se descabeladas e revoltosas,
Com a maquiagem a lhes escorrer pelas caras,
Reivindicando novos papéis
- Como fantasmas ancestrais caducos a reclamarem os antigos corpos.

Falo através de palavras que não são minhas
Sonhos que também não me pertencem.

Na verdade busco falar,
Porque na verdade estou aprendendo a falar,
Porque na verdade estou aprendendo a andar
Somente agora,
Com 59 anos de idade.
Estou aprendendo a nascer, a ser.
Aprendendo a desconstruir.

Quero usar minhas palavras pra incompreender ainda mais.
Pra incompreender tudo.
Absolutamente.
Que é pra ver se vejo as coisas com pura
Indecência.

Quero usar minha voz pra esquecer,
Sobretudo esquecer de falar
E de como se fala.
Que é pra ver se vejo as coisas
Com ainda mais
Indecência

Que é pra aprender a somente
Gritar.

Gritar
Sem nenhuma letra.

Gritar trapos,
Sonâmbulos,
Taperas.

Gritar que nem o homem das pedras
Gritou
Logo que começou a dominar o fogo.

Gritar como quem está no topo da mais alta das montanhas
E quer desabar uma avalanche que acabe com o mundo inteiro.

Gritar até ensurdecer,
Até apagar o passado.

Em todos os desacordes,
Com toda deficiência,
Com toda impaciência,

Gritar.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

tergiversações

preciso escrever alguma coisa instantanea nesse blog.
ateh pq os blogs acho q servem mais pra isso.
na verdade ñ sei o q escrever.
esporte, política, literatura.
ñ sei falar sobre nada. sei falar mal d religião.
mas ñ quero fazer isso aqui.
soh penso q se alguém quer se esconder d deus eh soh entrar em uma igreja.
mas deus existe???
a resposta certa eh ñ sei.
ou tomara. ou ainda: se deus quiser.
o "ñ sei" eh a resposta mais honesta e razoável. o tomara eh um pouco incomodo, jah q vale somente para o caso d ele intervir em nossa vida depois da morte, ou intervir na nossa morte, depois da vida, enfim.
vale somente p depois do futuro.
tudo pq antes da morte, estah comprovado, deus ñ tem lah mto cuidado.
e acho q nem deveria mesmo, jah q nos fez livres.
dizem por ai: melhor ver isso do q ñ ver.
vale tb: melhor viver isso do q ñ viver! mas serah?
p alguns sim, p outros ñ, o caso eh q ñ existe nem vai exixtir um concenso acerca dos maleficios q a vida causa aos... vivos.
eh uma especie d doença. tem q tomar remedio todo dia. o mais importante eh o q mantem o corpo capaz d manter seu equilibrio: a comida!
precisamos comer ao menos duas vezes por dia, senão a doença progride. a fome nos corroi, devora. come. qta ironia!
depois d comermos, isso p os q comem os elementos ou alimentos necessarios, vem a necessidade d dar um sentido a vida, um rumo, um norte, um horizonte...
daih o sujeito começa a observar como a vida se processa em redor pra poder tirar algumas conclusoes a respeito dos ideias modos d se comportar frente aos demais irmaos.
eh um espetaculo sinistro.
carnificinas, carnavais, pancadaria, bombas, e por aih a fora.
fica dificil depender dos beneficios alheios p dar um rumo p vida, entao partimos p o egoismo e dentro dele buscamos alguns confortos q nos acalmem.
mas o espetaculo eh sinistro pq???
ñ seria pq o homem pegou o primata e tentou fazer dele uma criatura cheia d modos esquisitos???
inventaram q ñ podemos agredir os outros, q ñ podemos matar, nem humilhar, nem nenhuma das outras coisas q o animal homem tanto adora fazer, coisas p as quais manifesta tanta vocação.
os filosofos pegaram a pensar e formularam um homem estranho, onde os q obedecem as ditas condutas adequadas sao escorraçados pelos q p/ c elas ñ dedica nem a sombra das suas preocupaçoes.
deveriamos ter sido deixados como somos.
bichos.
deveriamos ter sido deixados feito bichos, pq assim seriamos bichos contra bichos, ñ idiotas contra bichos.
as criancinhas boas, q aprender a amar seus semelhantes tornam-se estupidas e medrosas.
as outras tornam-se ousadas e capazes. pq o bicho homem embutido no ventre da criatura humana manifesta mais levremente nelas seus potenciais hediondos.
matar p os q possuem o poder eh natural.
o valor da vida eh proporcional ao lucro q essa vida pode lhe dar.
essa lei vai a margem das falsas leis estabelecidas pela filosofia e pela religiao (q eh uma forma velada d filosofia, feita por bichos lucidos, q querem manter seus tronos).
... depois continuo isso. ou ñ.

Intimidade

Um luxuoso abismo ostenta silêncio solidão e sombra

No fundo
estrelas apagadas
mergulham em aparência de pedras
falsas

A escuridão procria um monte de bicho novo
Ou apenas triste

Urros brotam pânico das cruas paredes da garganta
torturando demônios redimidos
- ventos afiados arrepiam o silêncio morno da sombra tensa

Uma explosão percorre lenta o longo corredor
tornando difícil se ver o pedaço de qualquer coisa no meio da claridade toda

Um fantasma bêbado
ao atravessar o abismo sem olhar pros lados
foi atropelado por um javali
Acordou mergulhado em sangue
dentro de uma poesia

O abandono mata alguém de solidão no silêncio de alguma escuridão

Tão completamente inexistente como quem ainda nem nasceu
morto

Um santo circula por becos suspeitos
Tem um revólver na mão
Seu anjo da guarda cutuca o ar pra ver se desafoga o olho

Nevoeiros pairam eternos

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Vida

A vida tem uma série de momentos bons e alegres.
Mas tem também
Me matado demais ultimamente.

Talvez eu tenha me suicidado demais,
Visto e ouvido demais,
Demais trincado entre dentes esses dias desiguais.

Mas enquanto o desespero não parar de me resistir,
Vou caindo
E levantando e seguindo...

Vida
Que passa por mim como um sopro,
Passa por mim como uma noite,
Como um rio,
Um amontoado de perdas
- Insubstituíveis e inseparáveis perdas.
Que passa deixando seqüelas eternas.

Vou procurar extrair um fim
Que justifique as intermináveis procuras que faço.

E enquanto o tempo embalar seu pêndulo
E o frio embaçar o vidro da janela
E o lobo uivar pra lua cheia e as plantas esticarem as mãos para o sol
E minha garganta embaraçar palavras reprimidas,
Vou chovendo, cantando, anoitecendo,
Aplaudindo poemas,
Chutando baldes e latas e paus de barracas.
Colhendo matérias para serem recicladas
Nalgum tormento ou nalgum hino.
E sonhando
- Porque a vida precisa de sonhos para nos suportar.
Indo de samba, de trem, de vinho
Para estações resplandecentes.
Pras oficinas do diabo...

Vida,
Eu a canto aos outros
Para reinventá-la menos amarga
Que eu,
Que às vezes penso
Que melhor seria ter nascido
Ontens muito antes
Do que o que nasci.
Ter vivido
E já ter ardido todas as dores que ainda vou sentir,
Sorrido tudo o que tenho pra sorrir,
Amado tudo o que amo e virei a amar,
Incendiado tudo o que tenho de odiar,
E que já tivesse inventado todas estas ilusões
Que sei que não vou usar.
E que já tivesse escrito,
Ou desistido de escrever
Todos estes poemas despropositados.

Melhor seria que eu já tivesse exercido
Meu direito de vir e de ir
Em guerra e em paz
E que já estivesse em corrosão,
Esquecido de todos os que tanto me chatearam
Com suas existências urgentes e fascinantes,
Que minha impaciência não conseguira afugentar.

Melhor seria já estar fora dessa máscara,
E já ter
Fugido
Desses aluguéis
Desses empregos desses desempregos
Desses salários
Desses impostos
Desse direito de permanecer calado
Desses SPC´s e Serasas
Desses 11s de setembro
- Pessoais e intransferíveis
Desse teatro dessa Palestina.

Melhor seria que eu já tivesse
Gasto essa carne combalida pelo pavor,
E que já tivesse cansado
De me postar diante dessas portas fechadas
De barba feita, bem penteado,
Estômago vazio.
Em busca de uma forca.
Acotovelado, espremido, jogado.

Melhor seria que eu já tivesse obedecido a todas essas regras estúpidas
E me curvado a uma dessas igrejas promiscuas
E aceitado a glória tola dos felizes.
Melhor seria que eu já tivesse praticado todos os meus remorsos
E que com eles já estivesse sepultado
Longe da doença de ser uma criatura perdida
Longe da bondade barata
Longe do agudo acorde dessa dor ensurdecedora
Que derrete o sorriso de qualquer bronze.

Melhor seria que eu já tivesse desistido.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Precezinha À Menina dos Olhos da Menina dos Olhos Verdes

para Elódia

Menina dos olhos da menina dos olhos verdes,
Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Vejam nesse mundo apenas o que nele se possa ver de mais alegre.

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Contemplem a sutileza com que a aurora se desprende dos pássaros
E frouxamente se evapora ao descruzarem-se os primeiros raios do sol

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Assistam o sopro tépido da madrugada tocando as teias da alvorada
E a neblina erguer suas palmas à brisa e se dispersar extraviada pela luz

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Observem a beleza pálida da fria e monótona tarde de outono,
Que melancolicamente desmaia, revestida de sono, sonho e esquecimento

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Descubram que as borboletas nascem das flores, e observem,
Tão logo amanheça, as débeis asinhas desprendendo-se das pétalas

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Acompanhem a coreografia desorientada e majestosa dos ventos,
Pouco antes de as nuvens desabotoarem as primeiras gotas de chuva

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Comovam-se ao verem a noite escorrer dentre as frestas do silêncio
E se estender pela amplidão do firmamento, até a goela bocejante da madrugada

Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Admirem o brilho fósforo na retina acrílica das estrelas,
Como se fosse a única noite em que houvesse estrelas no céu

Menina dos olhos da menina dos olhos verdes,
Faça com que os olhos da menina dos olhos verdes
Façam a menina dos olhos verdes sorrir