terça-feira, 10 de outubro de 2006

Blecaute

Cidade deserta.
Nas ruas um matiz de abandono adornando edifícios pardos.

Percorremos as ruas, você e eu, tomados de uma euforia ébria.
Quase insuportável.
- Como se voássemos sobre montanhas.
Como se fossemos de nuvem.

Nossas mãos seguram-se com receio de se perderem,
Porque a cidade está deserta
E isso só nos importaria se estivéssemos distantes.

Sentamo-nos no meio da rua e tomamos cervejas e vinhos.
Nos deitamos e nos amamos no meio da rua, no asfalto, como dois dementes.
Gritamos como pássaros,
Chutamos o lixo,
Arrombamos as lojas.
Vestimos todas as roupas,
Todas as perucas, todas as cores
E nos abraçamos e decidimos fazer uma festa.
E nos convidamos e nos aguardamos – ansiosos,
Para finalmente chegarmos, nos entreolharmos
E nos olharmos
Como os príncipes e as princesas dos contos
Depois de intensas agonias,
Quando se encontram, finalmente, num dos capítulos.

Nos admiramos,
Nos apresentamos nos estudamos
Nos defendemos e nos atacamos.
Nos pretendemos
Nos prometemos
E nos juramos.
Nos abraçamos
E nos beijamos desesperados
- Dançando uma valsa invisível.

Olhamo-nos como se estivéssemos sonhando
E soubéssemos estar sonhando
E aproveitássemos o tempo previsivelmente restrito.

E nos beijamos ao meio-dia no centro da cidade.
Pego você no colo no centro da cidade ao meio-dia,
Mas ninguém repara, porque não há ninguém
Nem precisa haver, porque você está comigo.

Todas as casas do mundo são nossas,
Todas as chuvas do mundo
E também todas as noites.

Entramos nas igrejas com a solenidade austera dos monges,
Para logo em seguida louvarmos ao Senhor em ritmo de carnaval.

Você se despe no altar e nós então nos casamos
E multiplicamos nossos pecados sob a pupila escandalizada da Santa-Madre.

E eu a contemplo em suas mais diferentes faces
Vendo-a simples, impecável,
Frágil e invencível.
Linda como uma colina.

Dormimos ao pôr do sol
Pra acordarmos em plena madrugada
E da madrugada irmos de mãos dadas
Até a alvorada,
Porque a vida era uma rua de esmeraldas
Que nos conduzia por estrelas de safira.

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